Adiamento de relicitação de aeroportos pode contaminar leilão do Galeão
23/06/2022
O adiamento da relicitação dos aeroportos de Viracopos (SP) e São Gonçalo do Amarante (RN) sinaliza que a devolução de ativos da primeira leva de concessões do setor deve ser mais complexa do que o esperado. A definição dos valores devidos pela União aos concessionários – como forma de indenização pelos investimentos ainda não amortizados – é o principal entrave para a conclusão dos processos, o que pode afetar a relicitação do Aeroporto do Galeão (RJ), cujo pedido de devolução foi feito recentemente.
O processo do aeroporto de Natal foi prorrogado por 12 meses e, o de Viracopos, por 24 meses. A relicitação desses terminais era uma bandeira importante do governo para mostrar ao mercado que o atual modelo de concessões de infraestrutura é viável no longo prazo e atrativo para o investidor.
O professor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo (EAESP), da Fundação Getulio Vargas (FGV), Arthur Barrionuevo Filho, lembra que, em caso de devolução de ativo, o concessionário tem direito ao investimento que não foi amortizado. “Isso acaba afetando a rentabilidade da concessão e quem tem que pagar essa conta é o governo.”
O advogado especializado em infraestrutura e sócio do Castro Barros Advogados, Paulo Dantas, destaca que pedidos de reequilíbrio de contrato podem ser incluídos nas discussões. “Por isso, a conta não é tão fácil. No limite, até o valor de outorga poderia entrar, muito embora esse último pleito seja mais difícil de se emplacar.”
Conclusão do processo de Viracopos pode levar 7 anos
No caso do terminal paulista, as discussões já somam cinco anos: a conclusão do processo poderia levar sete anos. “As discussões sobre Viracopos se arrastam há muito tempo, parecia que chegaria a um consenso mais rapidamente. Esse pode ser um sinal de que, para eventuais novas discussões, a relicitação pode demorar muito, o que gera certa dúvida no mercado”, acrescenta Dantas.
Além de Viracopos, importante terminal de cargas do País, a União terá ainda que resolver a situação do aeroporto Tom Jobim – Galeão (RJ), cuja devolução foi solicitada à Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) em fevereiro deste ano. Com isso, o governo federal decidiu, então, retirar o Aeroporto Santos Dumont (RJ) da sétima rodada de concessão, prevista para agosto, e promover um novo leilão com os dois terminais, estimado inicialmente para acontecer no ano que vem.
“Para relicitar o aeroporto do Galeão, será determinante para o cumprimento do cronograma desenhado pelo governo a convergência de posições em relação ao valor devido de indenização”, aponta o sócio do Giamundo Neto Advogados, Luiz Felipe Pinto Lima Graziano.
Barrionuevo afirma que a ideia da concessão é justamente dividir a matriz de riscos, entretanto, o que se viu nos primeiros leilões aeroportuários foi um peso grande sobre o concessionário. Segundo o especialista, a economia brasileira mal havia se recuperado integralmente da crise de 2014 a 2016 e se deparou com a pandemia da covid-19. “A demanda nos aeroportos desabou, isso deveria ter sido de alguma maneira negociado com os concessionários, trata-se de um problema imprevisível”, avalia.
Devolução de concessões indica que complexidade do tema perpassa governos
Os pedidos de devolução das concessões de São Gonçalo do Amarante e Galeão a partir de 2020 mostram que a complexidade do tema perpassa governos. “Talvez o governo atual estivesse vendendo algo que não se comprova na realidade, o processo todo de relicitação de aeroportos não é tão simples”, diz Dantas. Ele pondera, contudo, que o adiamento pode ser positivo. “É um indicativo de que a análise dos casos está sendo feita.”
O sócio do Orizzo Marques Advogados, Daniel Gabrilli de Godoy, avalia que o adiamento da relicitação de Viracopos evita uma disputa com a sétima rodada, principalmente em relação ao Aeroporto de Congonhas (SP), pois a oferta de mais um ativo pode pulverizar os possíveis interessados. “Com este novo período de adiamento, também será possível finalizar a atual arbitragem em curso sobre o caso. A relicitação é, sobretudo, uma oportunidade para abandonar a ideia de impor uma sociedade entre a concessionária e a Infraero.”
A prorrogação sinaliza a dificuldade de concretizar, na prática, o instituto da relicitação, na visão de Roberto Nucci, sócio do escritório Rubens Naves Santos Jr Advogados. “Isso pode tornar o processo menos atrativo e colocar em risco a execução de qualidade dos serviços públicos aeroportuários em função da suspensão de novos investimentos até a extinção da concessão.”
Daniel Gabrilli
Publicado por Estadão
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