A sistemática das dívidas públicas

31/05/2022

A Administração Pública dos entes federativos (municípios, estados-membros, Distrito Federal e a União Federal), de forma independente, com base no chamado Plano Plurianual (PPA) e pela Lei de Diretrizes Orçamentárias, utiliza seus orçamentos disponibilizados pela Lei Orçamentária Anual (de natureza meramente autorizativa) para realizar investimentos, custeio e aquisição de determinados itens e serviços, os quais resultarão em benefícios para a população. A título de exemplo, dos elementos a que são destinados os investimentos públicos pode-se mencionar: medicamentos, material médico-hospitalar, material didático, combustíveis, gêneros alimentícios, telefonia fixa e móvel, fornecimento de alimentação hospitalar, obras, entre outros.

O Plano Plurianual é encarregado de estabelecer, por região, as diretrizes e metas da Administração Pública, e nele constam, detalhadamente, os atributos das políticas públicas executadas, tais como as metas físicas e financeiras, públicos-alvo, produtos a serem entregues à sociedade, entre outros. O PPA tem duração de 4 anos, começando, necessariamente, no início do segundo ano do mandato do chefe do poder executivo e terminando no fim do primeiro ano de seu sucessor. Essa estratégia é estruturada a fim de que haja continuidade do processo de planejamento a cada sucessão de mandato.

O investimento supracitado ocorre através da participação de uma empresa privada e essa é que fornecerá os bens e/ou serviços solicitados. Dessa forma, a empresa é selecionada em um procedimento licitatório, o item é negociado, e uma despesa pública é criada.


A sistemática da despesa, prevista na Lei nº 4.320 de 17 de março de 1964, inicia-se quando a Administração Pública toma a decisão de utilizar seu orçamento em determinado item, e nesse momento é emitido o Empenho a partir do documento Nota de Empenho (NE), neste momento há reserva orçamentaria e autorização para início da prestação pelo contratado.

O próximo estágio para que possa ser executada a despesa da Administração Pública, consiste na liquidação. Essa tem o objetivo de comprovar se a empresa cumpriu todas as obrigações do contrato firmado, apurando a origem e o objeto do que deve ser pago, a importância exata a pagar e a quem deve ser destinado o pagamento para extinguir a obrigação. Portanto, essa etapa envolve todos os atos de verificação e conferência, desde a entrega do material ou a prestação do serviço até o reconhecimento da despesa.

Somente após a liquidação do empenho é que, finalmente, haverá o pagamento. Contudo, apesar de parecer simples e direto, nem sempre esse processo ocorre da forma devida. Mesmo percorrendo todos os estágios de aprovação da despesa, não é raro que algumas não sejam pagas aos fornecedores na data estipulada. Isso acontece, pois o pagamento de determinadas é colocado à frente de outros, desrespeitando a ordem cronológica de exigibilidades.

As dívidas públicas que constituem os restos a pagar são contabilizadas por ano, até o dia 31 de dezembro de cada, e os pagamentos são organizados de forma cronológica. Além disso, o Restos a Pagar possui uma reserva orçamentária disponível singularmente a ele. Portanto, define-se como sendo as despesas pendentes de pagamento dentro do exercício em que foram iniciadas.

A confusão relacionada aos restos a pagar concentra-se, principalmente, nas épocas de eleições. Isso acontece, pois a pressão sobre o orçamento aumenta drasticamente ao final das gestões políticas, já que o atual chefe do poder executivo, a fim de garantir sua reeleição, realiza mais empenhos do que a capacidade orçamentária real, como forma de estratégia para agradar a grande massa populacional. Caso não haja a reeleição do chefe anterior, todas essas despesas, liquidadas ou não, serão atribuídas ao subsequente, criando uma dívida muito grande, de forma cumulativa, abrangendo os encargos atuais e os anteriores.

Foram coletados os seguintes dados referentes aos Restos a Pagar dos selecionados Entes Federativos:

  • No Governo Federal – Acumulado até o final de 2021: R$ 233.700.000.000,00
  • No Estado de Minas Gerais – Acumulado até o final de 2021: R$ 51.230.224.760,39
  • No Município de São Paulo – Acumulado até o final de 2021R$ 5.080.297.412,58

Observando os dados, é possível verificar o valor elevado das dívidas públicas acumuladas nas administrações citadas. E isso significa um prejuízo aos credores pela demora do recebimento da despesa e ao resto da população, dado que o aspecto reputacional da administração pública no Brasil é péssimo e tal fato é devidamente precificado nas propostas comerciais.


Hoje, após muita polêmica e diante de tantos casos judiciais relacionados a esse assunto, firmou-se jurisprudência do egrégio Superior Tribunal de Justiça no sentido de possibilitar a utilização do mandado de segurança contra o ato controlador dos pagamentos, cujo objetivo é impor a observância da ordem cronológica das exigibilidades (e não utilizar do instrumento para obter o pagamento do valor devido). Demonstrando, portanto, que a maneira mais adequada de garantir essa obediência é impetrando Mandado de Segurança, já que a partir dele é que haverá a proteção do direito líquido e certo, impugnando o ato violador da Administração Pública, uma vez que cumpre à essa ordenar a liquidação da dívida.

Sugere-se a impetração do mandado de segurança pois, dessa maneira, o credor da dívida não terá a necessidade de recorrer a uma ação ordinária para exigir a execução apropriada de seu crédito líquido e certo, o que seria um processo extenso e muito burocrático, resolvendo, portanto, a pendência de forma mais direta.

As informações sobre a fila de exigibilidades, o valor das dívidas públicas e as datas de empenho, podem ser verificadas pelo público nos documentos disponibilizados no Portal da Transparência de cada ente federativo. Buscar essas informações e estar a par da situação do próprio município, estado e/ou país figura no exercício da democracia. Além disso, importante ressaltar que as grandes promessas dos políticos não são necessariamente benéficas à população, por isso, a melhor saída sempre será o combate à ignorância.

*Eugênia Liberman Loureiro e Luiza Bueno Amador Nohra são, respectivamente, advogada e assessora jurídica de Orizzo Marques Advogados.

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