Decisão pode paralisar milhares de ações trabalhistas e dificultar pagamento de verbas devidas. Entenda

25/05/2022

Uma decisão do Tribunal Superior do Trabalho (TST) pode dificultar o recebimento de dívidas trabalhistas na Justiça. Em geral, são ações nas quais a empresa principal foi condenada e não foram encontrados dinheiro e bens para a quitação da dívida. Por isso, havia a tentativa de inclusão de outra empresa do mesmo grupo econômico no processo. Atualmente, 49% das ações julgadas pela Justiça do Trabalho não são finalizadas por falta de pagamento.

A vice-presidente do TST, Dora Maria da Costa, decidiu enviar o caso ao Supremo Tribunal Federal (STF) para discutir a divergência de entendimento — se é possível ou não incluir empresas do mesmo grupo econômico. Enquanto juizes do trabalho admitiam a inclusão, o ministro Gilmar Mendes, do STF, deu uma decisão contrária.

nicialmente, a determinação do TST, proferida na segunda-feira (dia 23), era pela suspensão de todos os processos trabalhistas que tratem da inclusão de uma empresa do mesmo grupo econômico como responsável solidária, na fase de execução do processo. Mas, diante da repercussão do caso, a ministra Dora da Costa divulgou outro despacho nesta terça-feira (dia 24) em que esclarece que a decisão de suspensão do processo dependerá de cada ministro do TST, mas que os casos sob sua relatoria vão aguardar a manifestação do Supremo.

Cerca de 60 mil processos

A suspensão atingiria cerca de 60 mil ações em todo o país, que estão em fase de cobrança e trazem o termo “grupo econômico”, segundo dados da plataforma de jurimetria Data Lawyer. A decisão foi divulgada pelo jornal “Valor Econômico”.

Na prática, advogados de empresas dizem que a inclusão viola o direito de defesa de partes que não participaram da discussão desde o início do processo. Já advogados de trabalhadores alegam que a inclusão de todas as empresas do grupo econômico dificulta e alonga a tramitação do processo.

Desde 2003, com o cancelamento da Súmula 205 do TST, os juízes trabalhistas passaram a aceitar a inclusão de empresas que participariam do mesmo grupo econômico na fase de execução do processo. A discussão, porém, voltou após a decisão do ministro Gilmar Mendes, do STF, no ano passado. Ele reformou uma decisão do TST que pretendia responsabilizar uma empresa, incluída na fase de execução, pelo pagamento de verbas trabalhistas.

Além disso, a questão está sendo discutida em um processo de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) — a ADPF 488 — ajuizada no STF. Para a relatora, ministra Rosa Weber, não existe controvérsia sobre o assunto, apenas jurisprudência consolidada no TST contrária ao pedido da parte. Ainda segundo ela, a ação proposta não seria adequada para a revisão de entendimentos jurisprudenciais de Tribunais superiores. O voto foi seguido por Alexandre de Moraes. O ministro Gilmar Mendes pediu vista sobre o processo em dezembro do ano passado.

Controvérsia

Por conta disso, a vice-presidente do TST citou que as Turmas do STF têm entendimentos opostos sobre a questão. Para a Segunda Turma, “o cumprimento da sentença não poderá ser promovido contra aquele que não tiver participado da fase de conhecimento”. A Primeira Turma, por sua vez, já considerou válido o reconhecimento de responsabilidade solidária por uma empresa que compõe o mesmo grupo econômico.

A ministra Dora da Costa analisava o caso de uma concessionária de rodovias que apresentou recurso ao TST contra uma decisão que a incluiu no polo passivo da execução de uma ação trabalhista. A concessionária alega que não pode ser responsabilizada por uma dívida assumida pela devedora principal, sem sua prévia citação ao longo do processo, e que o reconhecimento do grupo econômico pela mera existência de sócio comum não estaria previsto na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

A defesa também alegou que, mesmo admitida a configuração do grupo econômico, a concessionária não poderia constar do polo passivo da execução sem antes participar da relação processual na fase de conhecimento.

Empresas reclamam que falta ampla defesa

Para a advogada Juliana Bracks, a mudança prejudicaria os trabalhadores não somente pela dificuldade em receber as verbas devidas, mas também pela lentidão na tramitação dos processos.

— É muito ruim para os trabalhadores, mas é muito bom para empresas. Cada empresa com um advogado, cada um levando três testemunhas, cada um com preposto. Em 2003, o TST derrubou a obrigatoriedade de citar todas as empresas do grupo econômico. O próprio TST achava impossível levar adiante um processo com polo passivo que vai ter inúmeras empresas. Do ponto de vista prático, não funcionava. Vai ser muito ruim para o processo trabalhista se os advogados tiverem que voltar a incluir todas as empresas — explica a advogada.

Daniel Dias, sócio da área trabalhista do escritório Machado Meier, lembra que a decisão do ministro Gilmar Mendes se apoia no Código de Processo Civil (CPC) e diz ainda que a reforma trabalhista também tratou do assunto ao afirmar que não caracteriza grupo econômico “a mera identidade de sócios, sendo necessárias, para a configuração do grupo, a demonstração do interesse integrado, a efetiva comunhão de interesses e a atuação conjunta das empresas dele integrantes”.

— É preciso assegurar o direito de a empresa se defender do mérito do caso, e ela não consegue se defender na fase de execução. Ela precisa ser citada na fase inicial para ter o amplo direito de defesa assegurado — argumenta.

Direito à ampla defesa

Ursula Cohim Mauro, sócia de Orizzo Marques Advogados, observa que as empresas envolvidas como pertencentes ao grupo econômico reclamam que não é possível ter direito à ampla defesa, quando o processo já está em fase de execução:

— Existem grupos econômicos em que a relação entre as empresas não é tão clara. Para o grupo econômico controvertido tem que haver a possibilidade de as empresas se defenderem, mas quando elas são acionadas na fase execução, a oportunidade de defesa delas é restrita — ressalta ela.

A preocupação agora é com os casos que já transitaram em julgado, não há mais possiblidade de recurso, se houver uma mudança de entendimento após a análise do Supremo, o que ainda não tem data para ocorrer.

Para a Michelle Pimenta Dezidério, advogada trabalhista do escritório Chediak Advogados, o STF deve modular o tema, prevendo os casos de ações já em execução, aquelas em tramitação e as novas:

— É muito pouco provável que sejam alteradas decisões que já tiveram o trânsito em julgado certificado. O que se espera é que eventual alteração do entendimento seja aplicável aos casos ainda não julgados — avalia Michelle.

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