Cenário Setorial/Rodovias: Com maturidade de concessões, setor vive nova fase e mais desafios
08/09/2021
Por Juliana Estigarríbia
São Paulo, 03/09/2021 – O fim do primeiro ciclo de concessões de rodovias do País coincide com o momento aquecido da infraestrutura, que tem uma agenda de leilões ampla e diversificada pela frente, nos âmbitos estadual e federal. O consenso entre especialistas ouvidos pelo Broadcast é que as oportunidades no setor rodoviário são grandes, entretanto, há desafios de modelagem e atratividade de investidores estrangeiros para extrair o máximo de aproveitamento das concorrências que estão por vir no Brasil.
Segundo levantamento da Radar PPP, feito a pedido do Broadcast, 18 projetos de concessões de rodovias estão em fase final de estruturação ou contratação, com investimentos estimados da ordem de R$ 83,5 bilhões. Um outro grupo de 26 ativos já leiloados soma R$ 87,4 bilhões em aportes.
Entre os projetos previstos, muitos nem têm estimativas de investimentos, mas já atraem olhares. Alguns dos principais são o megapacote de rodovias do Paraná, o trecho final do rodoanel paulista e estradas do litoral de São Paulo. O mais emblemático, porém, é o leilão da Rodovia Presidente Dutra, uma das primeiras concessões feitas à iniciativa privada do País, na década de 1990. Com o fim do contrato, operado pela CCR, o ativo volta ao mercado como a “joia da coroa” do setor, com uma nova modelagem, que combina maior desconto de tarifa (limitado a 15,31%) e maior valor de outorga. Os investimentos estimados são de R$ 14,8 bilhões ao longo dos 30 anos de contrato.
No edital da Dutra estão previstas algumas inovações, como o compartilhamento de risco de câmbio — um dispositivo que o mercado avalia como “isca” para o investidor estrangeiro — e testes do sistema “free flow”, livre passagem em praças de pedágio com cobrança de acordo com a quantidade de quilômetros rodados.
“Olhando para trás, há 25 anos, tivemos vários experimentos nas concessões de rodovias, a percepção de risco era diferente e por isso o prêmio foi elevado. O setor teve desafios grandes e alguns insustentáveis, por isso estamos vendo o resultado até hoje, com experimentos bem-sucedidos e outros nem tanto”, afirma o fundador da consultoria Inter.B e ex-economista do Banco Mundial, Cláudio Frischtak.
O especialista observa que os governos foram aprendendo com as experiências passadas e agora o País se vê diante do momento mais aquecido em termos de oportunidades de investimentos para a iniciativa privada em rodovias. Segundo ele, desde meados de 2017 uma importante carteira de projetos de infraestrutura vem sendo construída.
“Quando o país oferece uma carteira com horizonte de investimentos definido, isso torna-se atraente para o investidor, que geralmente se interessa por uma classe de ativos, não apenas um. Podemos dizer que este é o maior programa de concessões rodoviárias do mundo, somando federais e estaduais. É uma nova fase para o setor.”
O sócio da Radar PPP, Guilherme Naves, pondera que há um esforço por parte de entes da federação para “envelopar” projetos de maneira mais sofisticada — com a ajuda do BNDES, por exemplo — para atrair o investidor. Ou seja, serviços que seriam mais simples, como recapeamento e conservação, são agrupados com outros mais complexos para torná-los uma oportunidade de investimento, com consequente entrada de caixa para o poder público.
“Hoje é mais fácil adequar os ativos ao apetite do mercado e temos uma grande quantidade de competidores olhando para este setor. Se a matemática do projeto admitir, sobretudo em um momento de liquidez, as concessões vão atrair muita competição”, avalia.
O sócio do Orizzo Marques Advogados e mestre em direito administrativo, Daniel Gabrilli, ressalta que o arcabouço institucional sempre entra na conta do investidor. “Na década de 1990, se priorizou muito o valor de outorga, naquele momento o Estado precisava de caixa. Mas tivemos uma evolução e o campo de rodovias pode crescer mesmo tendo modelagens diferentes, o importante é termos um ambiente regulatório estável para atrair investidores, até nas microrrelações, como previsão de arbitragem nos contratos.”
Pontos de atenção
O sócio da Radar PPP afirma que a forte oscilação do câmbio é sempre um problema para atração de investimentos. Do lado do risco político, ele avalia que quanto mais o Ministério da Infraestrutura se distanciar de polêmicas, melhor será para a gestão de sua carteira. “O Tarcísio (Freitas) tem uma postura mais discreta e tem entregado muito”, diz Naves.
Frischtak alerta que o Brasil tem investimentos abaixo do necessário em infraestrutura, de cerca de 1,7% do PIB — precisaríamos de pelo menos 4%, segundo estimativas do consultor. “O País deveria ser mais atraente pelo seu potencial, mas há uma competição limitada pelos ativos devido às incertezas, o risco não precificado.” Ele aponta a forma como o Brasil vem lidando com questões ambientais, que se tornaram muito relevantes, com diversos financiamentos dependendo disso. “Estamos muito mal na foto.”
Ele aponta ainda a deterioração do ambiente político. “Não bastasse a covid-19, que é um problema global, temos outras camadas de incertezas. O próprio presidente da República é o maior contribuinte para piorar o ambiente político, com a ameaça sistemática em relação a eleições”, avalia. “Claro que teremos interesse em projetos de rodovias, mas será limitado no caso de novos entrantes. Investidores estão esperando por 2023.”