Covid-19 é doença do trabalho?

22/04/2021

Após um ano de pandemia, pode-se dizer que tende a haver consenso entre os magistrados de que a Covid-19 é uma doença endêmica e de fácil disseminação, presumindo-se não se tratar de doença ocupacional, salvo se comprovado que, pela natureza do trabalho ou pelas condições em que ele foi executado, o empregado teve contato ou foi diretamente exposto ao coronavírus (art. 20, § 1º, “d”, e § 2º, da Lei n. 8.213/91).

A regra geral, portanto, é que a Covid-19 não é doença do trabalho, o que, de modo nenhum, torna o empregador isento de responsabilidade. Ao contrário, por deter o dever constitucional de garantir um ambiente de trabalho seguro e saudável, compete-lhe adotar todas as medidas que estiverem ao seu alcance, para evitar o contágio e a transmissão do coronavírus entre os seus colaboradores. 

Nesse sentido, as empresas têm implementado políticas internas elaboradas de acordo com a natureza de suas atividades e as peculiaridades dos trabalhos desempenhados pelo seu pessoal, tendo ainda como parâmetro: 1) recomendações da Organização Mundial de Saúde, da Organização Internacional do Trabalho e das autoridades em saúde e vigilância sanitária nacionais; 2) eventual protocolo firmado via associação com o Poder Executivo local, a fim de viabilizar o funcionamento do setor durante as diversas fases da pandemia; 3) Normas Técnicas do Ministério Público do Trabalho e/ou Termo de Ajustamento de Conduta; 4) convenções ou acordos coletivos do trabalho aplicáveis aos seus empregados; 5) Normas Técnicas da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho (antigo MTE).

Em geral, essas políticas – que muitas vezes assumem o formato de um “Protocolo” -, prevêem: 1) controle de transmissibilidade, monitoramento e afastamento do trabalho em casos confirmados e/ou suspeitos; 2) orientações padronizadas de prevenção da Covid-19, como distanciamento físico, lavagem das mãos, uso de álcool em gel, máscaras, monitoramento da temperatura, teletrabalho etc; 3) penalidades aplicáveis aos colaboradores que a descumprirem.

A eficácia dessas políticas depende do amplo conhecimento de todos os envolvidos. Assim, elas devem ser afixadas em locais de grande circulação e de fácil visualização. Além disso, a empresa deve colher a ciência individual dos empregados quanto ao seu inteiro teor, via assinatura ou qualquer outro modo inequívoco e expresso.

É de responsabilidade da empresa tomadora dos serviços garantir condições de segurança e saúde do trabalho aos terceirizados que prestam serviços dentro de suas dependências ou em local por ela designados. Logo, a tomadora deve exigir que a prestadora adote medidas iguais às suas em relação a esses terceirizados e deve fiscalizar o seu cumprimento.

Para melhor se defender em procedimentos administrativos ou em ações judiciais, é imprescindível que a empresa guarde e conserve todas as provas relacionadas às práticas protetivas de combate ao coronavírus, i.e.: 1) termo de ciência das políticas por ela implementadas; 2) entrega de equipamentos de proteção individual (máscaras, álcool em gel, face shields, luvas, propé); 3) notificações dos empregados a respeito de sintomas ou de contato com pessoas com Covid-19; 4) documentos referentes a afastamentos e tratamentos médicos; 5) penalidades aplicadas aos empregados por descumprirem as políticas; 6) aquisição de equipamentos coletivos (termômetros, displayers de álcool em gel e similares); 7) treinamentos etc.

A falta dessas provas pode implicar o reconhecimento da Covid-19 como doença do trabalho. Foi o que ocorreu, por exemplo, na Ação Civil Pública de n. 1000708-47.2020.5.02.0391, ajuizada contra os Correios e Telégrafos, julgada pelo Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, recentemente.

Apesar de os Correios ter adotado um “Protocolo de medidas de prevenção ao Covid-19”, a empresa não conseguiu demonstrar a sua implementação satisfatoriamente. Assim, para os empregados que estavam trabalhando presencialmente e testaram positivo para a Covid-19, foi reconhecido o acometimento por doença ocupacional e o dever de os Correios emitir a respectiva CAT – Comunicado de Acidente do Trabalho.

Também nos autos da reclamação trabalhista n. 0010626-21.2020.5.03.0147, o MM. Juízo da Vara do Trabalho de Três Corações/MG reconheceu como acidente do trabalho a morte por Covid-19 de um motorista de uma transportadora, condenando-a a pagar indenização por danos morais de R$ 200.000,00 e indenização por danos materiais, na forma de pensão, para a filha até que ela complete 24 anos e para a viúva até quando o motorista completaria 76,7 anos de idade.

O magistrado entendeu que a empresa não se desincumbiu do ônus de provar que adotou efetivas medidas de prevenção ao coronavírus, além de que sua atividade é de risco de contágio, pois os motoristas ficam suscetíveis a instalações sanitárias, muitas vezes precárias, existentes nos pontos de parada e nos pátios de carregamento, somando-se, ainda, o fato de que o caminhão era compartilhado com outros motoristas manobristas.

Finalmente, é preciso pontuar exceção à regra geral aqui exposta, prevista no art. 20, I, da Lei nº 8.213/91, e Anexo II do Decreto nº 3.048/99, segundo a qual o coronavírus constitui risco biológico para os profissionais que se ativam em hospitais, laboratórios e outros ambientes envolvidos no tratamento da Covid-19. Assim, para esses trabalhadores, presume-se que a Covid-19 é doença ocupacional, competindo ao empregador demonstrar o contrário, quer dizer, que o contágio se deu por culpa exclusiva da vítima.

Essa situação foi retratada nos autos da reclamação trabalhista n. 1000700-72.2020.5.02.0067, movida por uma enfermeira contra um hospital infantil, em que o MM. Juízo da 67ª do Trabalho de São Paulo afastou a doença ocupacional, sob o fundamento de que estava provado que: 1) a enfermeira prestava serviços para outros hospitais concomitantemente, sendo impossível concluir que ela teria sido contaminada nas dependências da reclamada; 2) o esposo da reclamante saía diariamente para trabalhar presencialmente; 3) a reclamante saía para fazer compras para sua casa.

Evidentemente, sempre surgem decisões isoladas que fogem por completo da linha de raciocínio aqui exposta. Normalmente, isso ocorre quando a situação do caso concreto é muito peculiar ou por interpretação do ordenamento jurídico de modo particular pelo magistrado, o que tende a ser reformado pelas instâncias superiores. Como a situação é nova, a jurisprudência vai se consolidar com o tempo.

A equipe de Direito do Trabalho de Orizzo, Marques, Mesquita, Gabrilli e Coltro Sociedade de Advogados permanece à disposição para eventuais esclarecimentos e assessoria.

ASSUNTOS RECENTES