Novas regras do trabalho híbrido começam a valer hoje
29/03/2022
A medida provisória que formaliza a criação do regime híbrido de trabalho foi publicada nesta segunda-feira (28) no “Diário Oficial da União”. As novas regras foram anunciadas pelo governo Jair Bolsonaro (PL) na sexta (25) e já estão em vigor.
O teletrabalho já tinha sido incluído na CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) em 2017, na reforma trabalhista, mas definia que a atividade tinha de ser predominantemente executada fora das dependências da empresa.
Com a nova regra, o teletrabalho ou trabalho remoto não é descaraterizado pelo número de dias em que ele é realizado na empresa ou na casa do funcionário.
A MP 1.108 também criou a figura da contração por produção ou tarefa. Nesses casos, os empregadores não precisarão controlar o número de horas trabalhadas pelo funcionário. A legislação em vigor até então não previa o controle de jornada no teletrabalho, mas há dúvidas quanto à obrigação ou não de faze-lo em relação ao modelo híbrido convencional (sem ser por produção ou tarefa).
Segundo o texto publicado pelo governo, a prestação de serviços na modalidade de teletrabalho ou trabalho remoto precisa constar expressamente no contrato individual de trabalho.
O governo também publicou nesta segunda a MP 1.109, que autoriza a adoção do programa emergencial do emprego e renda quanto houver estado de calamidade.
As regras previstas em medidas provisórias começam a valer no dia em que são publicadas no “Diário Oficial da União”. Agora, o texto vai para o Legislativo e precisa ser aprovado na Câmara e no Senado em até 120 dias para que seja convertido em lei.
Se isso não acontecer, a MP perde a validade e as regras previstas por ela deixam de existir o que, segundo advogados ouvidos pela Folha, deixam insegurança na adoção de regras como o contrato por produção, por ser uma inovação do texto.
“No geral, a MP traz o que as empresas já vinham aplicando, como a manutenção do controle de ponto para quem foi para o teletrabalho. Então, se ela não avançar, creio que não haverá problema”, diz a advogada Ursula Cohim Mauro, do Orizzo Marques Advogados.
“O que eu não faria desde já seria adotar o controle por produção. Depois, se a MP caducar ou a lei de conversão ficar muito diferente disso, poderá causar dor de cabeça”, afirma.
A advogada Flávia Azevedo, do escritório Veirano, concorda. “É difícil prever se vai caducar. Há insegurança em passar os meus funcionários para um contrato por tarefa e, depois, [caso a MP não vire lei] não poder mais mais contratar nesse formato.”
O trabalho pode ser realizado nas dependências da empresa ou fora dela, independentemente do número de dias. Até então, a legislação exigia que, por exemplo, de cinco dias de trabalho, somente dois poderiam ser presenciais, ou o modelo deixaria de ser considerado teletrabalho.
Com isso, o trabalho híbrido, adotado por muitas empresas em meio à pandemia, passa a existir formalmente. Para quem já trabalhando está no modelo, é provável que a empresa já tenha incluído o home office ou o regime parcial em contrato ou nas políticas internas e, nesses casos, não haverá necessidade de mudar os contratos.
As empresas poderão controlar a jornada de seus funcionários que estão em regime híbrido. Para advogados ouvidos pela Folha, a obrigação de realizar esse controle não está totalmente clara na medida provisória.
Na avaliação do professor de direito do trabalho Ricardo Calcini, a efetivação do controle de jornada passa a ser opcional.
A legislação previa a dispensa desse controle, o que também fazia com que não houvesse pagamento de horas extras nesse modelo. A exceção é prevista pelo artigo 62 da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho). Além daqueles em teletrabalho, os que exercem atividade externa incompatível como horários fixos e gerentes ou ocupantes de cargos de gestão não estão sujeito à jornada.
A medida provisória publicada pelo governo na segunda muda a redação da exceção feita ao teletrabalho. O texto da CLT passa a dizer que não estão sujeitos ao controle de jornada “os empregados em regime de teletrabalho que prestam serviço por produção ou tarefa.”
Para a advogada Ursula Cohim Mauro, do Orizzo Marques Advogados, o que fará diferença é o que será acordado com a empresa. “A partir do momento que o empregador quiser o trabalhador disponível das 9h às 18h, isso é uma jornada fixa e essa pessoa precisa ter controle de jornada e pagamento de horas extras.”
José Carlos Wahle, sócio da área trabalhista do Veirano Advgoados, diz que a jurisprudência trabalhista já previa que mesmo quem estava em teletrabalho já tinha controle de jornada, uma vez que as ferramentas de trabalho à distância permitiam saber quanto tempo aquele funcionário trabalhou.
A advogada Flávia Azevedo, também do Veirano, diz que apesar da presunção de que não era necessário controlar jornada no teletrabalho, as empresas acabavam optando pela definição de um intervalo para as atividades, de modo a evitar judicialização.
Para a Folha, na sexta, procurador-geral do Trabalho, José de Lima Ramos Pereira disse considerar a dispensa de controle inconstitucional mesmo para os contratos por tarefa ou produção, pois abrem margem para abusos.
“Vejo também com preocupação que esse contrato por produção seja usado apenas para afastar o pagamento de horas extras, o que será considerado fraude.”
Quem estiver vivendo em outro país também ficará sujeito à legislação brasileira, mas a medida provisória abre a possibilidade de empregador e empregado fecharem acordo para afastar a aplicação da Lei 7.064, de 6 de dezembro 1982, que trata da situação de trabalhadores contratados ou transferidos para o exterior.
4) Acordos e convenções coletivas dos estados
Os trabalhadores que estão em outros estados ficarão submetidos aos acordos e convenções coletivas fechados onde a empresa estiver instalada, mesmo que a sede seja em outro lugar.
Assim, um trabalhador contratado por uma filial de Santa Catarina terá os benefícios firmados pelas convenções daquele estado, mesmo que a sede seja no Rio de Janeiro.
A utilização de softwares e outras ferramentas digitais ligadas ao trabalho, fora da jornada normal, não constitui tempo à disposição do empregador, diz a MP.
O texto da medida prevê, porém, que trabalhadores e patrões possam definir, por acordo individual ou coletivo, limites a esse tipo de utilização. Segundo os advogados, a previsão parece buscar conter excessos e garantir que o funcionário em teletrabalho total ou parcial consiga almoçar e tenha garantidas suas horas de descanso.
Se o empregado em teletrabalho decidir retornar ao trabalho presencial, o empregador não será responsável pelas despesas decorrentes dessa decisão.
Os trabalhadores com deficiência e aqueles que tenham filhos de até quatro anos deverão ter prioridade nas vagas de teletrabalho ou trabalho remoto.
A medida altera as regras de pagamento proibindo, por exemplo, a cobrança de taxas negativas ou descontos na contratação de empresas fornecedoras de auxílio-alimentação.
O modelo em uso até agora permitia descontos pelas empresas emissoras dos vales-refeição e alimentação às empresas beneficiárias, que recebem isenção tributária para implementar programas de alimentação a seus trabalhadores.
A MP 1.109 facilita a adoção do teletrabalho, a antecipação de férias, o aproveitamento e antecipação de feriados e o saque adiantado de benefícios.
Os gestores poderão usar ainda as medidas previstas no Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da renda, como redução proporcional da jornada de trabalho e do salário ou suspensão temporária do contrato de trabalho mediante acordo com pagamento do Bem (Benefício Emergencial).