Desde sua criação os fundos fechados têm sido amplamente utilizados por investidores devido à sua eficiência tributária. Diferente dos fundos abertos, que permitem a entrada e saída de investidores a qualquer momento através do resgate de cotas e, portanto, podem aumentar e diminuir o patrimônio líquido do fundo de acordo com o fluxo dos cotistas, os fundos fechados possuem uma menor flexibilidade nesse sentido, uma vez que as cotas só podem ser resgatadas no prazo estabelecido no regulamento do respectivo fundo que, geralmente, estabelece um número limitado de cotas a serem emitidas.
Com o resgate das cotas sendo permitido somente em determinadas datas e por conta da limitação do número de cotas emitidas, os fundos fechados possuem uma menor liquidez quando comparados aos fundos abertos, visto que os cotistas que buscam alienar suas cotas só podem fazer isso através do mercado secundário que, por outro lado, muitas vezes, é a única forma de um novo investidor ingressar em um fundo fechado após a integralização de todas as cotas emitidas.
Embora a menor liquidez dos fundos fechados possa fazer com que à primeira vista estes pareçam um mal investimento, sua grande vantagem está em seu regime tributário, mais favorável para os investidores. Assim como ocorre nos fundos abertos, os rendimentos dos fundos fechados são tributados com base no Imposto de Renda (IR), cuja alíquota varia de acordo com o prazo de permanência do cotista no fundo. Entretanto, ao contrário dos fundos abertos que estão sujeitos ao regime de “come-cotas”, um mecanismo de tributação aplicado semestralmente, nos meses de maio e novembro, por meio do qual o IR, calculado sobre a valorização das cotas, é deduzido diretamente do patrimônio líquido do fundo, causando a redução proporcional nas cotas dos investidores, os fundos fechados preveem que o recolhimento do IR será devido somente no momento do resgate das cotas pelos cotistas que, muitas vezes sequer acontece, uma vez que usualmente os lucros obtidos pelos investimentos realizados, ao invés de serem repassados aos cotistas, são reinvestidos de modo a aumentar o patrimônio líquido do fundo.
Esse acúmulo de riquezas “livre” de impostos colocou os fundos fechados no radar do governo que busca, por meio de mudanças na tributação dos fundos de investimento, uma forma de aumentar a arrecadação tributária. Nesse sentido, em abril de 2023 foi instituída a Medida Provisória nº 1.171 com algumas alterações que teriam validade a partir de 2024. Tal Medida Provisória perdeu sua eficácia após 03 meses, mas logo foi substituída, por assim dizer, em agosto de 2023, pela Medida Provisória nº 1.184 (MP) que veio acompanhada da apresentação do Projeto de Lei nº 4.173/23 que visa reiterar a maior parte das alterações realizadas via MP.
Dentre as principais mudanças propostas destacam-se:
- Instituição do regime de “come-cotas” sobre os rendimentos de fundos fechados;
- Possibilidade de aproveitamento de perdas, apenas com ganhos do mesmo fundo ou em outro fundo administrado pela mesma pessoa jurídica, mas que respeite o mesmo regime de tributação.
- Incidência de IR sobre o estoque de rendimento dos fundos fechados, apurados até 31 de dezembro de 2023, com base na alíquota de 15% ou 10%;
- Regras para que investimentos em Fundos de Investimento em Participações (FIPs), Fundos de Investimento em Ações (FIAs) e Exchange Traded Funds (ETFs) sejam tributados apenas no resgate das cotas, sendo que na falta dos critérios, estarão sujeitos ao “come-cotas”; e
- Alteração da regra de isenção para de Fundos de Investimento Imobiliários (FIIs) e Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais (Fiagros).
Sem dúvida, a maior das alterações, diz respeito à instituição do regime de “come-cotas” sobre os rendimentos de fundos de investimento fechados, a partir de 2024. Com essa mudança o governo busca atingir, principalmente os fundos exclusivos, ou seja, fundos fechados que possuem apenas um único investidor ou um grupo restrito de investidores, frequentemente formados por membros de uma mesma família, que se utilizam da regra vigente para diferir o pagamento do IR apenas para o momento do seu resgate, que como dito anteriormente, por vezes, sequer ocorre.
Regra geral, a alíquota aplicável na cobrança periódica será de 15% nas datas de cobrança do “come-cotas”, adicionada de uma cobrança complementar de até 7,5% no momento da distribuição dos rendimentos, amortização, resgate ou alienação das cotas, visando alcançar as alíquotas totais já previstas atualmente nos resgates dos fundos de longo prazo, quais sejam: I – 22,5%, em aplicações com prazo de até 180 dias; II – 20%, em aplicações com prazo de 181 dias até 360 dias; III – 17,5%, em aplicações com prazo de 361 dias até 720 dias. No caso das aplicações com prazo acima de 720 dias, como a alíquota total é de 15%, não será devida a cobrança complementar.
Nesse mesmo sentido, para os fundos cuja carteira tenha um prazo médio ou inferior a 365 dias, o “come-cotas” será de 20%, havendo cobrança adicional de 2,5% caso o resgate seja realizado em prazo inferior a 180 dias.
A MP prevê, ainda, a possibilidade do aproveitamento de perdas nos momentos de liquidação dos fundos, que deverá ser realizado com ganhos do mesmo fundo ou de outro fundo administrado pela mesma pessoa jurídica, desde que possuam o mesmo regime de tributação.
Além da instituição do “come-cotas”, outra alteração polêmica se refere à tributação do estoque de rendimentos dos fundos fechados, apurados até o fim de 2023. Em que pese a maior parte das alterações versarem sobre rendimentos de 2024, a MP prevê o pagamento de 15% sobre o rendimento apurado até 31 de dezembro de 2023, pagamento este que deverá ser feito à vista até 31 de maio de 2024 ou parcelado em 24 parcelas com o vencimento da primeira nessa mesma data.
Uma alternativa apresentada na MP reduz a alíquota para 10% caso o investidor opte por pagar a tributação do estoque em duas etapas. A primeira sobre os rendimentos apurados até 30 de junho de 2023 e a segunda sobre os rendimentos apurados entre 1º de julho e 31 de dezembro de 2023. O primeiro pagamento seria feito em 4 parcelas iguais, com vencimentos nos últimos dias úteis de dezembro de 2023, janeiro, fevereiro e março de 2024; e o segundo, à vista até o último dia útil de maio de 2024.
A polêmica deste ponto se dá pela tentativa de tributação de rendimento anterior à lei que institui a sua tributação, ferindo assim o princípio constitucional da irretroatividade da lei tributária. Deste modo, caso esse ponto seja convertido em lei, por meio do Projeto de Lei nº 4.173/23, há fundamentos robustos para que os contribuintes consigam afastar a tributação do estoque de rendimentos por vias judiciais.
Para FIPs, FIAs e ETFs, exceto os de Renda Fixa, que, até então eram isentos do “come-cotas” e possuíam um regime tributário diferenciado, a MP prevê a incidência do IR retido na fonte de 15% na data de distribuição de rendimentos, amortização, resgate ou alienação de cotas, contudo, estabelece algumas regras para que esses fundos não sofram a tributação periódica.
No caso dos FIPs, devem ser cumpridos os requisitos de alocação, enquadramento e reenquadramento de carteira previstos na regulamentação da CVM; no caso dos FIAs, as carteiras precisam ser compostas por, no mínimo, 67% de ações ou ativos equiparados; e para os ETFs, o critério é o cumprimento dos requisitos de alocação, enquadramento e reenquadramento de carteira previstos na regulamentação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e possuírem cotas efetivamente negociadas em bolsa de valores ou mercado de balcão organizado, com exceção dos ETFs de Renda Fixa.
Por fim, é importante destacar a alteração na regra de isenção relativa aos FIIs e aos Fiagros que, antes da MP contavam com isenção do IR sobre os rendimentos distribuídos para os cotistas pessoas físicas, desde que o fundo possuísse, dentre outros requisitos, ao menos 50 cotistas. Com a MP, esse número passa de 50 para 500 cotistas.
Tal mudança afeta ao menos 130 fundos, atualmente registrados na CVM, e pode gerar uma significativa redução na quantidade de investidores dispostos a aplicar recursos em tais veículos, que até então estavam entre os favoritos para investidores com perfil de baixo risco, uma vez que um de seus maiores atrativos, qual seja, a isenção do IR para pessoas físicas, passa a ser alterado.
Dito isso, cabe comentar que muitos dos pontos alterados pela MP são objetos de grande discussão no Congresso Nacional o que pode levar a uma grande alteração nas regras impostas pela MP ou inclusive, caso não aprovado o projeto, o retorno às regras já aplicáveis sem qualquer alteração. Essa discussão tem data para ser parcialmente decidida quando da votação do Projeto de Lei nº 4.173/23, prevista para o dia 24 de outubro de 2023.
Até lá, resta aos investidores e gestores aguardarem uma definição parcial de quais regras serão aplicáveis à tributação dos fundos no ano de 2024.
Amanda Arantes
Luan Rodrigues