Com crédito mais escasso, incorporadoras podem olhar para o passado para encontrar alternativas para financiar obras e clientes — e elas combinam com os imóveis compactos, que ganharam popularidade na última década.
A venda direta aos consumidores, sem intermediação de um banco, é uma dessas alternativas, conta Henrique Gallo, sócio de direito imobiliário do Orizzo Marques Gabrili e Coltro Advogados. Comum em momentos de desinteresse dos bancos em financiar as obras, essa modalidade permite que o dinheiro seja levantado com os clientes, que pagam ao menos metade do valor na construção.
Gallo lembra que a incorporadora Rossi usou o sistema nos anos 1990, com seu “Plano 100”, onde financiava o cliente em 100 parcelas, com foco na classe média.
Hoje, a Porte Engenharia tem no financiamento direto uma das principais formas de levantar capital para as obras, diz o diretor comercial Igor Melro. A empresa faz imóveis comerciais e apartamentos compactos na Zona Leste de São Paulo, e seu público-alvo são investidores. Para o modelo funcionar, Melro conta que a empresa costuma levar até 50 meses do lançamento à conclusão do empreendimento. Obras financiadas pelos bancos podem ficar prontas em 36 meses. “Quando chega lá na frente, [o cliente] terminou de pagar”, afirma. “Não existe o financiamento que é padrão no mercado.”
Se houver descasamento entre o fluxo de receita vindo dos compradores e os custos da obra, a empresa recorre ao mercado de capitais, com a emissão de Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs).
Melro reconhece que a venda direta, apesar de vantajosa para a empresa, limita o universo de compradores. “Dentro do nosso tamanho, hoje, tem feito sentido”, diz. Para expandir o público, a empresa também busca investidores de outras regiões da cidade. Com o tempo, é possível que ela parta para uma mescla de usar seu próprio caixa e ter financiamento bancário, afirma, para poder “navegar nesses períodos de juros mais alto, que vão e vêm sempre”.
A Vitacon, conhecida pelos compactos, é outra companhia focada em investidores e que obtém parte dos recursos com os clientes, complementando esse fluxo com o mercado de capitais. “A tabela de vendas funciona de forma que ele paga um percentual durante as obras e financia ao final ou quita com recursos próprios, e muitos acabam quitando”, diz o fundador Alexandre Frankel.
Segundo ele, esse modelo é viável porque não tem faltado demanda para os imóveis compactos na cidade, mesmo com um maior fluxo de novos projetos do tipo.
Também não tem faltado interesse do mercado de capitais, afirma Mauro Dahruj, sócio-diretor da gestora Hedge, que está estruturando um fundo com a Paladin para fazer residenciais compactos “incentivados”, em bairros de classe média. São imóveis que recebem algum benefício público, para atender ao déficit habitacional. Os projetos também podem mesclar unidades incentivadas e de comércio livre, ampliando os compradores possíveis.
Para Dahruj, é uma saída para seguir produzindo em regiões de classe média, já que projetos tradicionalmente voltados ao segmento estão inviáveis. “Hoje, o produto correto é o que visa aos compactos ou a alta renda”, diz. “[O compacto] é mais barato para construir e você vende mais rápido.”
Frankel afirma que conversa com muitas incorporadoras e vê vários modelos alternativos de financiamento sendo utilizados. “O brasileiro é muito criativo na hora de estruturar [o capital].”
Mesmo após o IPO, em 2020, a Moura Dubeux, maior incorporadora do Nordeste, seguiu com a estratégia de fazer obras por regime de administração, também chamadas de “condomínio fechado”.
A empresa percebe uma demanda, reúne um grupo de interessados e identifica um terreno ideal para a obra, cobrando taxa de consultoria. O grupo de interessados vai, então, bancar a construção, administrada pela incorporadora, que também recebe por isso.
Gallo explica que o modelo existe desde os anos 1960 e foi usado por cooperativas habitacionais. O preço das unidades tende a ser menor, pois não há juros, mas também há mais risco, já que o valor não é fechado. É feito um estudo, mas o preço pode variar. Para as incorporadoras, é uma forma de elevar a produção sem se endividar.
Na Moura, as obras por administração responderam por quase 54% das vendas no primeiro semestre, ou R$ 1 bilhão. A empresa lançou 130% mais no período, na comparação anual, mas tem conseguido manter sua dívida líquida em cerca de 10% do patrimônio líquido, patamar baixo.
“[O sistema] não só permite que cresçamos com menor consumo de caixa e dependência de financiamento imobiliário, como também protege a companhia de distratos e estouro [de custo] nas obras”, afirma Diego Villar, CEO da Moura Dubeux.
A empresa também compra parte das cotas e as revende, com margem média de 20%. Essas vendas somaram outros 5% do total comercializado até junho. Villar explica que, assim, a empresa atinge um público que não tem renda para o fluxo de pagamento da obra por administração.
A Moura Dubeux também financia suas obras com os bancos, mas tem o condomínio fechado como alternativa, o que tem chamado a atenção de concorrentes, conta o executivo. “Temos recebido cada vez mais dúvidas sobre o modelo de condomínio.”
Publicado por Valor Econômico.