Quadro político e pandemia devem afetar concessões, diz ministro da Infraestrutura
17/08/2021
Os efeitos da pandemia e o cenário político conturbado no país devem afetar as concessões importantes de infraestrutura previstas para até 2022, como a Ferrogrão, aeroportos de Congonhas (SP) e Santos Dumont (RJ) e a Via Dutra, disse o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas.
Segundo ele, os valores mais altos de outorga e de investimentos previstos também podem limitar a competição pela sétima rodada de aeroportos, pela rodovia Presidente Dutra e pela Ferrogrão a um grupo restrito de concorrentes.
“Atravessamos uma pandemia e muitas empresas ficaram com dificuldades de caixa”, disse Tarcísio em entrevista à Reuters. “Em alguns projetos é natural que haja um interesse restrito a poucos grupos, o importante é trazer os qualificados”.
As declarações ilustram o desafio de Freitas para concluir a etapa mais crítica do plano de concessões 2019-22 previsto para trazer 250 bilhões de reais em investimentos, vitais para o país que se recupera da grave recessão oriunda da pandemia.
Mas confiante de que o cronograma será cumprido, o ministro embarca nas próximas semanas para encontros nos Estados Unidos, Europa e Oriente Médio, para atrair licitantes para cerca de uma dezena de ativos que serão leiloados entre outubro e novembro, entre terminais portuários e rodovias.
Para um deles, a Via Dutra, principal ligação entre Rio de Janeiro e São Paulo, Tarcísio já sinaliza que devem ser poucos candidatos, devido ao “tíquete alto”. Além do valor de outorga, um misto de valor mínimo e menor tarifa, espera-se investimentos de 15 bilhões de reais ao longo dos 30 anos da concessão.
Mas o caso mais complexo para a pasta chefiada pelo militar da reserva e ex-assessor parlamentar é a Ferrogrão, projeto de ferrovia prevista para ser leiloada no primeiro trimestre de 2022, mas que está mergulhado nas arenas política e comercial.
O bilionário projeto de 933 quilômetros, para ligar Mato Grosso ao Pará, numa opção pelo Norte para escoar a exportação de uma das maiores regiões do agronegócio do mundo, é alvo de oposição ferrenha de ativistas ambientais dentro e fora do Brasil, com questões envolvendo desmatamento e danos a áreas indígenas.
Uma dessas questões está parada no STF (Supremo Tribunal Federal), hoje no centro de uma crise política devido ao embate do presidente Jair Bolsonaro com alguns dos membros da Corte, envolvendo desde temas eleitorais até combate à pandemia.
“O ambiente não é dos melhores; em condições normais já teríamos tido um desfecho favorável”, disse Tarcísio. O projeto da ferrovia foi enviado ao TCU em meados do ano passado e ainda aguarda aprovação para ter edital liberado. “A Ferrogrão vai acontecer, mas estamos perdendo tempo com componentes político, ideológico e comercial”, afirmou, alegando que o projeto já se mostrou ambientalmente sustentável.
O projeto também enfrenta resistência de grupos empresariais devido ao risco de a ferrovia potencialmente drenar parte da carga hoje transportada por ferrovia para o Porto de Santos ou pela BR-163, justamente a estrada ao lado da qual a Ferrogrão seria construída.
Para o ministro, o aumento esperado da produção agrícola no Mato Grosso demandará maior capacidade de transporte e, sem a Ferrogrão, a solução seria duplicar a BR-163, uma alternativa com potencial de danos ambientais muito maior.
Tarcísio admitiu que o governo refez as contas para tráfego esperado de passageiros nos 16 aeroportos previstos para serem leiloados no primeiro trimestre de 2022, devido aos efeitos da pandemia, que devem impactar o setor ainda por vários anos.
“A gente redesenhou a curva de demanda e isso será refletido no edital”, afirmou o ministro, avaliando que a queda de movimento no setor, hoje ao redor de 50%, deve atingir principalmente as viagens de negócios, justamente as que tornam Congonhas e Santos Dumont os mais cobiçados por investidores.
Para tentar aliviar os efeitos desse cenário sobre o interesse de investidores pelos ativos, o governo flexibilizará algumas exigências no edital, para que fundos de investimentos participem por meio de acordos técnicos com operadoras de aeroportos, que seriam desobrigadas de participar com capital.
Também no setor aeroportuário, o governo fará a relicitação do terminal de São Gonçalo do Amarante (RN), em dezembro, e o de Viracopos (SP), no início de 2022.
Além de tocar a agenda de concessões logísticas, Tarcísio tem estado às voltas com ameaças de greve de caminhoneiros, insatisfeitos com a sucessiva alta dos preços do óleo diesel, que já subiram cerca de 40% em 2021.
Desde que uma manifestação do setor parou o país em 2018, chegando inclusive a comprimir o PIB do período, setores da economia têm estado atentos à movimentação dessa categoria, que tem cerca de 800 mil motoristas no país, segundo a CNTTL.
O ministro, que diz fazer parte de 43 grupos de redes sociais de caminhoneiros, afirmou que está sempre atento às demandas do setor, mas que alguns fatores que levaram à greve em 2018 não acontecem agora, tornando a paralisação improvável.
“Nos últimos anos, uma parte do mercado foi tomada por grandes empresas de logística e, se elas não derem apoio, não vai acontecer”, afirmou Tarcísio.
Ele disse que o governo tem tomado uma série de medidas para apoiar os caminhoneiros, incluindo combate ao que considera como excesso de multas e exigência de mais pontos de descanso nas estradas. Mas foi taxativo ao rejeitar o papel de intermediar valores de frete.
“Eles estão acostumados a serem tutelados pelo Estado”, afirmou o ministro. “O governo não vai se meter em preço de frete, o Estado não tem nada a ver com isso.”
Ao liderar uma pasta que tem trazido bilhões de reais em investimentos para o país e ganhado visibilidade no governo, Tarcísio tem sido insistentemente mencionado por Bolsonaro como candidato a governador de São Paulo na eleição de 2022.
“Já recebi convites (para filiação partidária), mas não aceitei”, disse o ministro. “Não penso nisso (ser candidato), mas posso ser tragado para essa missão.”
Especialistas no setor de infraestrutura ouvidos pela Folha concordam com possíveis impactos da crise política na análise do projeto da Ferrogrão pelo STF, mas dizem não ver maiores efeitos sobre as outras concessões que o governo pretende licitar nos próximos meses.
“A situação da Ferrogrão pode ser judicializada e é lógico que não é interessante uma tensão com o Judiciário”, diz o sócio da Radar PPP, Guilherme Naves. “Mas no geral, olhando a carteira de concessões, os investidores trabalham com longo prazo.”
Advogados e consultores que assessoram investidores no país dizem que, apesar do aumento da temperatura da crise, o setor de infraestrutura confia no histórico de respeito a contratos e na independência das agências reguladoras do país.
A eleição de 2022, por outro lado, é apontada como uma preocupação nas avaliações dos investidores, tanto pelo risco de guinada na política de privatizações e concessões, quanto pela possibilidade de uma atuação mais populista de Bolsonaro na campanha.
“A ideia da tentação populista é relevante, porque isso afetaria o elemento central nas concessões, que são as tarifas, os preços”, diz o economista Cláudio Frischtak, da consultoria Inter.B, citando como exemplos negativos a troca de comando da Petrobras em meio a críticas à política de preços e os questionamentos ao IBGE.
Daniel Gabrilli de Godoy, do Orizzo Marques Advogados, elenca o risco fiscal e o descontrole inflacionário como outros fatores de preocupação dos investidores. “Por mais que a gente tenha instituições mais ou menos estáveis, a gente capricha para deixar o cenário conturbado.”
Colaborou Nicola Pamplona
Publicado em Folha de SP